quinta-feira, 24 de julho de 2014

Duas Moedas

Olá caros imortais, talvez pareça um tanto trash abrir as postagens com um conto sobre morte, mas a intenção não é trazer má sorte, aliás a maioria dos contos não serão tão tensos assim, bom talvez uma boa parte sim, mas... Enfim este conto me veio a cabeça após escutar e assistir o videoclip da música Asylum da banda Disturbed, para quem quiser assistir segue o link:

http://www.youtube.com/watch?v=1K9jBL2syJ8

Comentários, críticas e sugestões são sempre bem vindas, até a próxima.


Duas moedas
A imagem não surgiu aos poucos.

Não estava desfocada e tornando-se nítida e nem tão pouco se assemelhava a uma ofuscante luz no final do túnel.

 Ah não!

Simplesmente ela estava lá. Estampada a minha frente sem que eu a pudesse tocá-la.

Sentia a espessa corda apertando o meu pescoço e ouvia lentamente a canção que entoava quando vez que outra, balançava ao vento. Na verdade ela me parecia ser a única coisa que mantinha minha inchada cabeça ao meu imundo corpo. Lembro-me de ter sido forçado a subir a escada de madeira sem que meus executores expressassem nenhuma comoção com os meus gritos de protesto e pragas proferidas a todos esses bastardos que me enforcavam.

A lembrança da pesada corda pousando sobre mim me retorna a mente, neste momento, amaldiçoava, a plenos pulmões, a estupida garota que morreu com uma singela pancada na cabeça, não era para sangrar feito uma porca! Somente queria que ficasse inerte perante a diversão que se seguiria.
Azar o dela que a madeira tenha lhe cravado na nuca... Dela e de outras três... Malditas sejam todas!

Pelos diabos porque ainda estou acordado?

Depois de ouvir a infame acusação e os gritos da multidão para que fizessem meu corpo se contorcer sem ar... Só me lembro do agora. A praça vazia, meus olhos arregalados vendo a neve cair em pequenos flocos e começar a cobrir a terra negra e sulcada que se estendia a frente. Queria me mexer, mas não era possível, queria me libertar da maldita corda, mas não era possível, queria respirar, mas os pulmões não funcionavam, queria desesperadamente rasgar meu peito e apertar meu coração para que pulsasse outra vez, porém o miserável não batia, minha caixa torácica pesava horrivelmente, queria poder parar de engolir o sangue proeminente da minha língua que fora mutilada pelos meus próprios dentes na queda.

Pelos sete infernos e todos os outros que eu haveria de conhecer! Queria ao menos me conceder o privilégio de piscar os olhos e parar de enxergar a cova que a cada minuto se enchia com corpos de ilustres amigos meus que costumava a esmurrar em um dia feliz de bebedeira.

Se estou vivo ninguém percebe, se estou morto porque não morro?

A morte estava brincando comigo, assim como me contorci na ponta da corda ela estava agora se contorcendo de tanto rir ao ver que dentro de mim pairava a vontade de descer dali e caminhar de volta para o buraco da onde saí esta manhã. Não sentia dor, não sentia o corpo, mas sentia o peso como uma montanha em cima de mim, sentia os braços do próprio demônio abraçados em minhas pernas esticando-me a ponto de me fazer dez centímetros maior do que era.

Quero morrer! O fim! O inferno! Seja lá o que há... Mas quero agora, nesse exato momento quero o abismo à escuridão, parem com isso, parem!

Talvez esteja sonhando deitado na sarjeta podre de bêbado e logo acordo com um leão na cabeça... Se é um sonho ainda continuo nele. Pequeninas mãos correram pelas minhas costas e senti meus sapatos sendo tirados dos pés, a diabólica criança de cabelos dourados ao meu lado subiu em um banco para tirar-me o aconchegante casaco que roubara de um fidalgo de cartola que me esbofeteou quando puxava o dito cujo e por resultado teve sua garganta aberta para melhor circulação sanguínea. Malditos demônios saiam daqui! Puta merda, só queria esganar ao menos um!

Bastardos deixaram-me nu, logo eu que matava por uma boa vestimenta.

Não é um sonho, não estou vivo, não estou morto, já tinha ouvido disso. Falam as más línguas que isso acontece quando não lhe fecham os olhos após a morte e negam as duas moedas ao barqueiro, do que me valia à benção do padre sem as moedas, não precisariam nem gastar eu as tinha no bolso do casaco do fidalgo. Ainda me pagam esses cretinos! Calhordas! Vermes! Abutre...


Aquele é o guarda Stuart e eu sei o que vai fazer, Deus me perdoe, juro que fui sempre bom, nunca ataquei alguém que não merecesse, por favor! A corda foi cortada em um segundo pela espada do oficial e logo estou no escuro, agora talvez descanse...  Estúpido pensamento... O céu nublado surgiu lá em cima, pois era a única direção que meus amaldiçoados olhos podiam fitar, o insaciável defensor da lei me arrasta pela terra fria, tudo que percebo são nuvens balançando com o movimento do oficial levando-me para a cova, o maldito segurava apenas a corda e essa pressão por sua vez quase me tirava os olhos do rosto.

Isso seria bom!

Logo o mundo para e outro ilustre guarda pega as minhas pernas, em um segundo as coisas giram e com um estrondo sou jogado em uma pilha de cadáveres de olhos abertos tão mortos quanto eu. Sentia um liquido gelado ser jogado em mim, mas não o cheiro. Pensei que fosse urina, no entanto vi que era querosene e pensei, não posso sentir mais nada estou morto! Não estou?

- Que o diabo os carregue!

Com essas palavras o oficial selou minha sina. O fogo se alastrou primeiro em minha cabeça derretendo-me até o osso e fazendo minha alma correr parada de tanta dor, tudo tornava-se um e um tornava-se nada, eu gritava, mas creio que não fosse ouvido, não por eles ao menos. Não durou muito até tornar-me uma caveira carbonizada, sem olhos, sem pele, sem vida. Mas...

Porque ainda penso e falo? Porque ainda vejo e escuto? Porque a dor se apega a mim?

Porque ainda eu queimo? Deus porque estou queimando? Porque queimo? Por quê?


Por quê?!

2 comentários:

  1. Cruel e intenso. Gostei da relação que fez com o barqueiro.
    Também quero saber os porquês do final.

    :)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Jessica. Realmente eu também gostaria de saber, hehe

      Excluir